sábado, 23 de junho de 2007

Pepe





Terás tido uma má noite, como que uma justiça incapaz de equilibrar-se com os anos de alegria, de saltos, de atenção, de carinho. Dezasseis anos, mais de metade da minha vida, e tu sempre ali. Querias a minha atenção e eu a tua. E fomos amigos. É isso que és e serás para mim: a verdadeira amizade.
Agora, mais um fim de semana em que fico em casa. Mas tu já não estás. Ainda existes nos pequenos gestos da minha distracção. Fechei a porta hoje à noite para não saíres da cozinha.
Assalta-me durante o dia a lembrança em dar-te comida.
Evito olhar o canto onde tinhas a cama. Não quero ver que não estás.
Quando abria a janela um pouco mais, para que o sol batesse no chão, e tu procurasses aquele calor para te pores a roer as unhas ao meu lado…
Quando viajava e ficava fora muito tempo, chegava e tu reconhecias-me imediatamente, assaltado pela surpresa, e eu consolado porque não me esqueces-te.

As horas e horas em que te passeava, e nós os dois a mudar-mos. Cresci e tornei-me consciente sempre com a tua companhia. Tu dormias e ficavas à espera que eu não te fosse acordar. Estavas lá, simplesmente. Eras simples, existias.
E continuarás sempre, para mim, como o exemplo perfeito da amizade e da lealdade.
Paz, porque em ti há alma, e em mim memória.




nostalgia de um não-passado







Vivemos num mundo habitado. A terra, uma praia virgem, uma paisagem intocada, são tudo quimeras de um pensamento pulsante tentando antecipar-se na maior radicalidade, isto é, tentando habitar um espaço ante-humano. Há toda uma anterioridade para sempre intocável, que não poderemos abraçar, há todo um mundo que se dispôs antes de nós, ao qual chegámos depois, e que continuamos, que a ele continuamos. Parte de si somos nós, e cada um de nós um corpo em transição num lugar transformante, mas com o apelo forte da sua originalidade. A Natureza viva mas inconsciente, esse mar antes do mar com que o nomear, o primitivo que chega à praia e se encontra com o mar-animal pela primeira vez, que tem à sua frente o declive da serra luzindo num dia sem calendário. Onde estiveram estes lugares? O que é o olhar puro de um mundo sem nomes, sem geografias, onde a maravilha se exalta apenas com a sua força interior própria, e não com o peso do seu significado?

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Rembrandt, Filósofo em meditação





Ser o que se é


A capacidade que temos em interrogar é tão grande, e pode descobrir-se ininterrupta, e radical. Muito do que é a filosofia está aqui. É o espanto que desce sobre nós próprios, que nos propicia a continuar as interrogações. E este ímpeto gerado ganha asas, move-se, cinetiza-se, até começarmos a tecer considerações não já apenas sobre nós, mas sobre o mundo.
Depois tenta-se universalizar, a partir da razão, bramindo espadas contra as ideias "feitas" mas não totalmente exploradas pelo pensamento. Pensa-se no que é. Surgem dúvidas sobre o que é. Pensa-se o Ser e pensa-se se podemos pensá-lo. Assomando o fantasma da reclusão, abrem-se também as portas da mais genuína liberdade. Tornamo-nos senhores porque duvidamos, porque existe uma quase indizível certeza íntima da incerteza. Aí, estamos no meio da História, porque dela somos intérpretes. Porque se sente que a nossa mente é um decifrador mais ou menos caótico para o curso dos acontecimentos. E então há um autismo que reclama o seu espaço, que não quer ouvir e não ouve, porque o corpo se convence que há um curso pessoal a seguir, um ensinamento que só a nós próprios podemos dar.
Apoderamo-nos assim do mundo que já era nosso. Só que onde antes havia aquele espaço de silêncio que não se fazia mesmo ouvir, por mais que gritasse, e onde habitávamos com a inocência em riste de um soldadinho de chumbo, agora há uma multiplicação eterna de elementos a clamar a sua expressividade, há um mundo a precisar de organização, uma organização consequente e eloquente e magistral. Enquanto filósofo, nenhum homem se basta. A torrente que o leva é onde ele tem de aprender a nadar.

sábado, 16 de junho de 2007

Das formas de passar uma tarde de chuva:



sexta-feira, 15 de junho de 2007





Tenho sempre a tentação de escrever sobre um jogo de Portugal como este de anteontem frente à Holanda. De dizer mal, de desancar, de questionar o porquê de um "Amoreirinha" ou mesmo de um "Couceiro".

No primeiro jogo "era o primeiro", e contra Holanda foi "o árbitro". Não há uma culpa que se assuma? Não há um jogador (por exemplo o Manuel da Costa, que aprendeu português a passar férias em Cucujães) que diga que a culpa foi do treinador, de si próprio, do João Pereira? Que diga que "não conseguimos articular o nosso jogo e sacudir a pressão a meio-campo?"

Não, a culpa transfere-se para uma circunstância: o "primeiro jogo" ou para um elemento exterior: "o árbitro".

Agora, uma coisa salta à vista. O guarda-redes holandês chama-se Vermeer e os comentadores da TVI, surpreendentemente, não disseram um comentário do tipo: "Grande desfesa do guarda-redes que tem o mesmo nome do pintor do séc. XVII, e que inspirou um filme no qual um director de fotografia português ia ganhando um óscar!"

Outra coisa salta à vista: esta informação do site zerozero que diz que Vermeer é o "12º que menos tempo precisa para marcar na Euro U21 2007. Um golo em cada 0 Minutos."



Uma...pérola.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

white stripes


Afinal não falo nada dos Smashing Pumpkins porque gostei mais destes dois estarolas, que estavam lá, apenas dois, a encher o palco de som, com uma força e vitalidade só ao alcance de quem contacta muito com riscas brancas... E se é possível ser estrela de Rock n´Roll com trinta anos de idade (ou mais) e mexer-se assim e ainda por cima ter uma voz tão estridente e afinada, só pode ser porque se nasceu para aquilo.

É que eu, quando os Smashing faziam aquele encore de 45 minutos só para testar a paciência de Portugal, comecei a sentir as rótulas a darem de si, e fui-me afundando, lentamente, na lama que entretanto se tinha criado pelas gotas saudosistas daquele concerto da praça de touros ao qual não fui e no qual nunca tinha ouvido falar.

sábado, 9 de junho de 2007

1979





Estes malucos vão-me dar música. Ódepois conto.


segunda-feira, 4 de junho de 2007


Cimeira G8. O habitual momento rave dos jovens "explorados". Explorados, mas não pelo "poder económico" ou pelo "capitalismo selvagem". Eles são explorados pela lógica dos "poderes", que faz com que hajam sempre reacções de contra-poder. Só desta forma o poder e a resistência ganham forma e identidade. Não há poder sem resistência nem resistentes (mesmo que queiram, aparentemente, derrubar o poder) sem esse poder.
Tomássemos todos consciência destas coisas pá, e havia de ser bonito (mas também um bocado para o impossível).