quinta-feira, 29 de novembro de 2007

log

Duplicar a vida através da escrita. Escrever é criar um interstício, uma trincheira entre o nada dos dias mudos e o mistério que se guarda onde as palavras não chegam. Mas será que esse destino da escrita é completo pelo acto mesmo de escrever, ou esse é antes o preenchimento de um não-lugar que é determinação real, pertencente ao próprio mundo, sem nele se situar como topos? É a escrita criadora de lugares, ou de paisagens?

domingo, 25 de novembro de 2007

e como é roma? e como é londres? e como é são paulo?


Roman Holiday é um filme que me despertou imediatamente o interesse de voltar a Roma. À Roma Cidade Eterna, longe de onde na verdade habito. Uma grande cidade mostra-se apenas no interior de quem sabe que já não se pode concentrar uma metrópole numa descrição linguística, numa definição. É a sua dispersão que a define, mas isso é incomunicável, é matéria para ser digerida apenas pela individualidade que se abre a esta impossibilidade de comunicação, capaz de interiorizar o paradoxo e a evidência da coexistência dos contrários.
E a beleza, esta realmente inominável, de Audrey Hepburn...

terça-feira, 20 de novembro de 2007

toque de midas

Antonello da Messina, São Gerónimo no seu estúdio


O trabalho do tradutor poderia ser descrito como um escrever por trás de si próprio. Se é ele que faz de mediador, de canal, entre uma língua e outra, é também a única entidade possível entre as formas linguísticas que ocupam o espaço textual. Portanto o tradutor é um escritor esvaziado do acto criativo, embora o seu trabalho final adquira uma modalidade única (original) pelo facto de que é ele o único ser envolvido que é dotado de faculdades sensitivas . Ao longo de todo o processo foi ele o único que contactou com as duas margens do mesmo “texto”. Foi ele que viu, previu e fez ver, na solidão de quem tem o silêncio do papel à sua frente.


O tradutor é, ainda, a única possibilidade de humanidade entre o mesmo texto em diferentes línguas. Na verdade, um texto é uma obra cuspida para o mundo, que assume um carácter definitivo de objecto passível de ser contactado. Há, mesmo nessa abertura de ser objecto deixado à sua fruição, qualquer coisa de acabado, de feito, de “concretizando um plano misterioso”. Só o verter da obra para outra modalidade (traduzindo-a) é passível de fazer com que algo absolutamente intocável e inegável como é a obra na sua implacável aparição sobre a terra, possa ainda ser manchada pela deformação humana.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

ressoa longe

um qualquer "não metas o bodelho onde não és chamado". E agora? onde foi que meti o bodelho?
São memórias destas que me garantem uma identidade. São elas que unem as pontas do meu passado e do meu futuro. É a segurança do mundo e a última réstea de conforto. O "bodelho". "Onde não sou chamado". Longínquo, mas meu...
Já agora, eu gosto muito de meter o dito cujo, lá onde a minha comparência não foi requerida.

sábado, 10 de novembro de 2007

Klimt, O Beijo

O que mais me tem vindo a insidiar, e as coisas que insidiam, insidiam silenciosamente, mostrando a razão pela qual estes dois conceitos casam tão bem, é a falta de segurança generalizada das pessoas.
Falo disto porque, obviamente, me coloco do lado daqueles que adquiriram uma força de viver tal de poder falar, com confiança, de um tema que, inevitavelmente, acabará por rebaixar a maioria dos seres humanos e que se abre com muitíssima facilidade à crítica moralista, às acusações de arrogância e presunção (não aqui, mas no contacto real com seres humanos), próprias de quem só consegue arranjar porto seguro na diminuição do carácter superior de alguns seres, incluindo-os na esfera da hipócrita moral “baixa”, aquela que exclui ou inclui a partir de critérios que, de forma mais ou menos directa, se relacionam com aspectos de mera “visibilidade”, de interesses pessoais mesquinhos e com desígnios materiais, inessenciais, de “estilo” ou de imagem.
Certamente visível a poucos mas a esses por demais evidente, é esta abrangente falta de amizade pela verdade que se mostra em tudo o que é agregação. E não me digam que os comportamentos são todos justificados por dinâmicas estruturais dos grupos, dos ambientes, etc. É, claro, necessário jogar esse jogo, da integração, da imagem e tudo o resto, mas é no conteúdo, não na forma, que a parvoíce e a hipocrisia se torna clara. Nas conversas. No que se diz, no que se faz e principalmente no como se faz. Falta uma subtileza consapevole. Um destaque estético, que nos atire para a cena teatral do mundo com o mesmo impulso que nos faz a ela retrairmo-nos, olhando os esgares das gargalhadas com terror e ironia, complacência e agonia.

Um beijinho, que hoje estou carente.


quinta-feira, 8 de novembro de 2007

As boas coisas não podem ser "interessantes". Não podem ser uma fruição meramente "intelectual". Têm de intrometer-se no sentir. A seriedade do pensar é uma abertura do corpo ao mundo, é um sorrir e um rir, um chorar e desesperar.