terça-feira, 29 de abril de 2008

que o mundo nos surpreenda




As relações contemporâneas entre a arte e a filosofia têm sofrido revoluções sucessivas que destacaram ainda mais as ambivalências e as contradições que, desde sempre, ocuparam um lugar importante em todas as disciplinas e em todos os modos de produção destes dois mundos. A arte dos nossos dias demonstra ser uma profunda devedora da influência algo desconcertante da filosofia pós-moderna, que se entreteu a anular qualquer valor intrínseco que a obra de arte pudesse demonstrar. Desta forma, aquilo que desde sempre tinha instituído a obra de arte como tal, que tinha colocado uma obra dentro da categoria da “arte”, e que Benjamin designou como “aura”, deixou de cumprir essa função “agenciadora” e colocou a obra de arte à mercê de critérios exteriores que, por mais rigorosos e válidos, nunca poderiam submeter-se à realidade da própria obra, isto é, nem à sua forma nem ao seu conteúdo.


Esta destituição do valor artístico da obra anda de mão dada com a emergência da arte entendida essencialmente como produto, como mercadoria exposta às leis do mercado, da compra e da venda, da promoção e da comunicação. É o mesmo Benjamin quem contrapõe à obra dotada de “aura” a obra infinitamente reproduzível, no famoso ensaio A obra de arte à época da sua reprodutibilidade técnica. Segundo o filósofo alemão, é precisamente a possibilidade de reprodução infinita que sujeita a arte à perda daquela aura que lhe dava a singularidade, que a tornava produto de uma irrepetibilidade, um momento de inspiração e de virtuosismo artístico. A partir do momento em que a obra fica submetida à tecnologia da repetição esta perde irreversivelmente a essência do que a sustinha como objecto único, passando para o lado da mercadoria entrada no ciclo perpétuo e viciado do mercado da arte.


A encruzilhada em que hoje se encontra a arte, mas também, por arrasto, a teoria da arte e a sociologia da arte entende-se na medida em que se começa só agora a procurar um “terceiro regime da arte” que se proporá como uma “superação”, no sentido em que também o pós-modernismo se propôs como uma superação do modernismo, mas neste caso devemos considerar-nos avisados, de antemão, que uma verdadeira superação só se dá não no esquecimento, não na manipulação ou no escamoteamento, mas na integração consciente dos momentos que constituem a oposição e que criaram a encruzilhada. Para já, a arte pós-humana, a arte abjecta de Damien Hirst e o seu séquito, parece não ser mais do que esta contradição reinante levada ao extremo, e aproveitando-se da ausência de “teoria da arte” num mundo onde a arte não tem valor reconhecível, e que como tal não permite teoria. O terceiro regime da arte terá de saber conservar o valor do objecto em si sem o excluir à voragem mediática, comunicativa e publicitária do mundo à sua volta.