quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Guercino, Cleopatra morrente, 1648, Palazzo Rosso, Génova



Sempre me assaltou a dúvida radical acerca de todas as minhas actividades. Por exemplo, escrever. Eu sempre me perguntei pela utilidade desta actividade, porque em mim nada que seja um acrescento às necessidades biológicas é natural. Eu não escrevo como respiro, como não leio como caminho nem jogo futebol como me alimento. Tudo o que não são necessidades biológicas requer um esforço que tem de ser justificado com alguma razão superior, da esfera ultra-biológica. Querer encontrar essa justificação, e porque tem que ser uma justificação que justifique e não meramente mascare, significa percorrer as dificuldades de quem quer encontrar um valor que a todo o momento certifique a legitimidade do que fazemos. Mas isso é pensar, coisa que por acaso e muito curiosamente não me encontro a questionar, não me está submetida a dúvida radical. Quer isto dizer, então, que pensar não necessita de justificação? Se não necessita de justificação é natural, no sentido forte de pertencer a esfera biológica. Assim, penso logo sou, e sou pertencendo ao mundo das coisas naturais, como se esta particularidade da nossa constituição mais não fosse do que o que para um cristal é reflectir a luz.