segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Teoria dos conjuntos



À frente da minha casa há um Centro Sociale. Estes lugares são comuns aqui em Itália, especialmente de Roma para baixo. São basicamente associações culturais que desenvolvem actividades como edição independente de livros, discussões ou concertos. Alguns, como este, têm também espaços para actividades desportivas (futebol, ginástica, aulas de capoeira, ginásio). A maior parte dos seus utilizadores são jovens, mas também há os menos jovens, e, também, estas associações desempenham um papel muito importante na dinamização dos bairros periféricos onde por norma se inserem.
Tudo isto enrolado e recheado de política, como está bom de ver. É um reduto para esquerdistas em geral, comunistas em particular.
Recentemente, passei por lá, para almoçar (excelente pasta e não só, a preços simbólicos!), a primeira vez fui sozinho e na segunda fui com um grupo de recém-conhecidos. Nas duas visitas foi possível observar diferenças que se apresentam quando o ambiente "primário" onde me encontrava foi diferente (o caso em que fui sozinho / o caso em que fui acompanhado) enquanto o ambiente secundário se manteve (o centro social, e respectiva comunidade). Assim, quando fui sozinho senti-me imediatamente olhado de lado, suspeito e provavelmente tido como ameaçador à congeminação secreta de uma qualquer inútil demonstração que por lá se organizava (discutiam-se layouts de panfletos, slogans e lutava-se por lideranças). Na minha anonimidade, nem sequer denunciadamente estrangeiro e absolutamente desconhecido, e no meio de tal reunião, comi à pressa as orecchiette e fui-me embora dali, maldizendo esta mania da subversão, e ainda mais convencido da cegueira e da auto-alienação a que estes grupinhos se prosternam.
Mas esta dificuldade em um grupo aceitar um estranho que ainda por cima parece estranho é muito compreensível. Afinal, qualquer grupo depende da sua identidade e a desconfiança em relação ao estranho é essencial para manter e ir preservando essa mesma identidade. Emocionalmente, marcou-me negativamente, mas não tanto que racionalmente não se possa aceitar tal comportamento.
Já quando fui com os meus novos amiguinhos, fiquei bem mais perturbado pela forma como as pessoas da minha mesa, todos eles estudantes de doutoramento em áreas científicas, não conseguem perceber, ter a sensibilidade, capacidade de adaptação e, finalmente, respeito, pelo ambiente e pelo lugar onde estão. Para além de toda a fantochada típica de cortejamentos com a subtileza de um terramoto, coisas de quem passa a vida fechado em laboratórios a mexer em ratinhos, foram (fomos, enquanto grupo) incapazes de perceber os valores que se esperam sejam partilhados por todos os que entram naquele espaço, que justamente pretende ser de partilha e entreajuda, onde os cozinheiros são as mesmas pessoas que chegam às mesas a perguntar se temos mortalhas, em que quando as pessoas se levantam pegam nos pratos e nos talheres e levam-nos para dentro. No meu grupo ninguém o fez, e as pessoas basicamente usaram o lugar como se de um restaurante se tratasse.
É um espaço aberto, no sentido em que qualquer um pode entrar. É politizado, sim senhor, mas a política nada tem a ver com o respeito em relação ao outro, e principalmente ao outro que nos acolhe e que cozinha para nós (os preços são, realmente, muito baixos, demasiado baixos para que haja um lucro minimamente significativo). Esta falta de sensibilidade é-me desconfortável, e significa falta de atenção para com os outros. Aquilo não é um restaurante, não se pode utilizar como um. É um espaço de difusão de cultura com cujas bases podemos ou não concordar, mas é um espaço estruturado por uma certa humildade do oferecer. E é preciso ter olhos que vejam isso, e por tantas razões importantes; para se promover a própria aceitação e consequente possibilidade de bem-estar, de evolução e aprendizagem, por exemplo, ou para se ter a minha simpatia.