Ao regressar de um longo almoço, viajo no autocarro com alguns dos convivas. Um deles, um angolano quarentão que está aqui a “estudar”, revela mau beber e importuna alguns passageiros, tentando abraçá-los e metendo conversa em tudo menos italiano, porque não o aprendeu, com toda a gente. De repente, deixando a situação entregue aos amigos íntimos, reparo por entre sovacos que descemos a grande velocidade a Via Veneto. Não houve como não lembrar-me imediatamente de La Dolce Vita, por uma enorme, profundíssima antonomásia não literária, mas factual. Enquanto Mastroianni, ali mesmo, usava a má educação com glamour, o meu vizinho demonstrava que a ignorância total e transversal (da falta de respeito pelos outros ao cinema) é fundamental para não nos sabermos enquadrar nos nossos tempos. É possível usar vícios com charme, mas para isso há que representar-se como um actor no seu tempo. Se somos ignorantes tout court, não há nada que nos salve nem a nós, nem aos olhos dos outros.