terça-feira, 20 de novembro de 2007

toque de midas

Antonello da Messina, São Gerónimo no seu estúdio


O trabalho do tradutor poderia ser descrito como um escrever por trás de si próprio. Se é ele que faz de mediador, de canal, entre uma língua e outra, é também a única entidade possível entre as formas linguísticas que ocupam o espaço textual. Portanto o tradutor é um escritor esvaziado do acto criativo, embora o seu trabalho final adquira uma modalidade única (original) pelo facto de que é ele o único ser envolvido que é dotado de faculdades sensitivas . Ao longo de todo o processo foi ele o único que contactou com as duas margens do mesmo “texto”. Foi ele que viu, previu e fez ver, na solidão de quem tem o silêncio do papel à sua frente.


O tradutor é, ainda, a única possibilidade de humanidade entre o mesmo texto em diferentes línguas. Na verdade, um texto é uma obra cuspida para o mundo, que assume um carácter definitivo de objecto passível de ser contactado. Há, mesmo nessa abertura de ser objecto deixado à sua fruição, qualquer coisa de acabado, de feito, de “concretizando um plano misterioso”. Só o verter da obra para outra modalidade (traduzindo-a) é passível de fazer com que algo absolutamente intocável e inegável como é a obra na sua implacável aparição sobre a terra, possa ainda ser manchada pela deformação humana.