sexta-feira, 26 de outubro de 2007

a rectidão da água; o crescimento

a rectidão da água; o crescimento
das avenidas, ao anoitecer, sob a nua
vibração dos faróis;o laço, mesmo, das portas só
entreabertas, onde a luz
silenciosa se demora; são memórias, decerto, de um anterior
esquecimento, uma inocente
fadiga das coisas, como os corpos calados, abandonados
na véspera da guerra, o teu
jeito para o desalinho branco das palavras,altas asas
as de nuvens no clarão do céu em vão rigor abrindo
o destinado enigma: assim
desconhecer-te cada dia mais
ausente de recados e colheitas,em assustado bosque, em sombra
clareira,
ao risco dos rios frívolos descendo
seixos polidos, desinscritos,
imóveis movendo a luz do dia;
a margem recortada, aonde vivem
ausentes e seguros, os luminosos animais do inverno;
assim são na verdade os muros claros;
assim respira o tempo, a terra intensa.

António Franco Alexandre, A Pequena Face



Porque é que se tem que explicar a poesia? Esta poesia que se escreve agora (como nomeá-la? minimalista, seminal, arquitectónica…)tem uma coisa interessante: é que ao lê-la já nem imagens se desenham na nossa mente. Não há mais espaço para a imaginação na poesia odierna. Ela apresenta apenas linhas, vectores, pontos de fuga. Ela inscreve numa dimensão superior à da sensibilidade humana. Foge-lhe e consegue criar uma espécie de rejeição. Parece abandonar a pretensão humana que tem toda a criação, perdendo, do ponto de vista da criação artística, a auto-referencialidade.
Interessante como ponto de fuga epistemológico, questão que é absolutamente estrangeira ao artista, que nem já intérprete é. Será, talvez, uma espécie de místico urbano, uma pitonisa dos arrabaldes, um pai-de-santo de estações de metro.
É poesia que não se lê, mas que se inala.