quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

o hóspede inquietante



A opinião publicada e radiodifundida dada em Itália (e também chegou a Portugal) a este acontecimento dramático parece-me ter-se inflamado no discurso do racismo e da xenofobia, quando na verdade a sua explicação está numa outra linha interpretativa, mais abrangente a até denotando uma razão mais perigosa, porque mais silenciosa e mais insidiosa (osa osa osa). O ataque ao pobre sem-tecto foi feito por uns jovens vindos de uma noite de copos e drogas. Agir por racismo e xenofobia significa atacar o emigrante porque ele é estrangeiro, mas aqui parece-me que ele foi atacado simplesmente porque ele é vulnerável. Lendo o que a investigação tem determinado, tudo leva a crer num mero impulso do momento. “Queríamos apenas divertirmo-nos um pouco e dar um final excitante a nossa noite”, dizem eles. Ora o que aqui actua não é ódio racial ou descriminação, porque não há essa intenção explícita no ataque. Acontece que o ataque é uma consequência da sua condição de emigrante, que a vida deixou desamparado e vulnerável, mas para o ataque ser xenófobo a sua nacionalidade estrangeira teria de ser a causa do evento.
Os agressores agiram sobre o vulnerável (que também podia ser italiano) e não sobre o emigrante. O que está na base deste e de outros episódios, e por aqui todos os dias é uma mão-cheia de homicídios absurdos e violações, é… o Hóspede Inquietante, expressão com a qual Nietzsche apelidou o niilismo, a total ausência de valores. É o fazer tudo como se tudo se anulasse no próprio momento em que acontece, porque a nada esses jovens tem que responder, a nada tem que obedecer, a começar pela sua própria consciência moral (discorso da rompipalle, seguramente). Esses zombies charrados deambulam pelas cidades sem respeito a nada a não ser a um hedonismo vazio e autodestrutivo, e daí as suas acções violentas terem uma explicação mais próxima da desorientação psíquica que da desagregação das estruturas sociais, ainda que, admito, esta exista e potencie em grande medida a persistência de uma desorientação moral. O que está na base de eventuais reais actos de racismo e xenofobia é portanto esta instalação de um hóspede silencioso e invasivo, que desencadeia violência racista, mas que tem uma causa que, essa sim, deve ser combatida, pois a sua anulação tem consequências positivas mais abrangentes.
Em Portugal a situação não é nem melhor nem diferente. Seria muito importante, julgo, traduzir este livro de Umberto Galimberti, que alcançou um notável sucesso em Itália e que explica como este desmoronamento dos valores morais está na base de uma letargia existencial capaz de provocar acções deste tipo por diversão, ao mesmo tempo que a maioria de nós encolhe os ombros depois de uma indignação momentânea.

Este livro é especificamente endereçado aos jovens, e o discurso público normalmente dirige aos jovens a acusação de desapego a moralidade e ao respeito. Mas eu penso que esta é uma concentração errada da questão num grupo que apenas tem mais energia e mais tempo para levar a efeito estas acções estridentes. Na verdade este esvaziamento total dos valores morais e éticos paira sobre todo o corpo social e, aquilo que na juventude é ímpeto e violência, nas outras idades é cooperante indiferença, passividade, medo e individualismo.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009




Prescisamente porque já tudo foi dito e já tudo foi inventado é que é possível ainda criar alguma coisa. A essência da criação é a reinvenção, é a remodelação imprevista. Todos os objectos retêem as suas possibilidades futuras, que esperam um golpe de recriação humana. Aproximar-se hermenêuticamente de um objecto (cadeira, ideia, poema, montanha) pode extrair desde a potencialidade resídua mais ínfima, tornando-o por momentos diferente apenas ao nosso olhar mais subjectivo e privado, mas pode também arrancar ao objecto a sua determinação mais substancial, transformando definitivamente o olhar da humanidade e despojando o objecto de uma essência que se julgava inatacável mas que era afinal provisória. Exemplo desta desconstrução violenta são, por exemplo, as famosas obras de Duchamp.

sábado, 31 de janeiro de 2009

o modo de ser dos outros

Francis Bacon. "Im optimistic about nothing"

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

olhem, vou dar uma volta ao bilhar grande

paradoxo de Moore

Quando escrevi este post, não fazia a menor ideia que a ambígua associação de ideias tinha sido formulada por Moore.
Se digo: "Está a chover lá fora, mas não acredito nisso" produzo um paradoxo porque subverto a escala de valores que, em princípio, fundamentam o conhecimento. Estou a dar um valor mais alto, ou pelo menos o mesmo valor, a uma crença que a um facto, quando são enunciações de factos que asseguram o conhecimento.
O mais curioso do paradoxo é que ele não viola qualquer possível "estado de coisas", pois é perfeitamente possível que esteja a chover lá fora e que eu não acredite nisso. Ele não é fenoménicamente contraditório. Mas se torno um possível estado de coisas numa aquisição dos meus sentidos, isto é, se percepciono um certo estado de coisas ("está a chover"), então não posso simultaneamente não acreditar nisso. Pareço assim incorrer numa contradição lógica, porque saber-se que p parece implicar acreditar que p.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Guercino, Cleopatra morrente, 1648, Palazzo Rosso, Génova



Sempre me assaltou a dúvida radical acerca de todas as minhas actividades. Por exemplo, escrever. Eu sempre me perguntei pela utilidade desta actividade, porque em mim nada que seja um acrescento às necessidades biológicas é natural. Eu não escrevo como respiro, como não leio como caminho nem jogo futebol como me alimento. Tudo o que não são necessidades biológicas requer um esforço que tem de ser justificado com alguma razão superior, da esfera ultra-biológica. Querer encontrar essa justificação, e porque tem que ser uma justificação que justifique e não meramente mascare, significa percorrer as dificuldades de quem quer encontrar um valor que a todo o momento certifique a legitimidade do que fazemos. Mas isso é pensar, coisa que por acaso e muito curiosamente não me encontro a questionar, não me está submetida a dúvida radical. Quer isto dizer, então, que pensar não necessita de justificação? Se não necessita de justificação é natural, no sentido forte de pertencer a esfera biológica. Assim, penso logo sou, e sou pertencendo ao mundo das coisas naturais, como se esta particularidade da nossa constituição mais não fosse do que o que para um cristal é reflectir a luz.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Da China vem uma economia galopante, diz-se. É um país comunista aberto ao capitalismo selvagem. Tem uma tradição milenar. Grandes novidades.
Os chineses que eu conheço não são tycoons, nem revolucionários amestrados. São pessoas que olham o mundo a sua volta com a forma das suas pálpebras. O seu maior valor é a horizontalidade (quando, no Ocidente, se fala em verticalidade para exprimir virtude). Eles estão na mesma linha onde se inscreve a Natureza e as acções humanas, que são os únicos pontos permanentes de referencia que qualquer ser humano possui. Estão arreigados às coisas, e olham o mundo nos olhos. Parecem perceber que fora dele está só um vácuo inútil e apaixonam-se por flores, por pormenores, mas também por palavras, pela pequena e grande realidade.
é por isso que olho para a planta que a minha vizinha mantém no vão das escadas exteriores do nosso prédio com a maior das admirações. Aquela rapariga cuida da realidade ao cuidar da plantinha. É ali que está a sua resistencia, o seu empreendedorismo, mesmo a sua revolução perante uma sociedade que lhe é estranha e hostil.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

o meu ano

Gérard Edelinck, Batalha de Anghiari, 1660 (cerca), British Museum, Londres

foi tomar conta de uma realidade impossível de alterar. As premissas de tal acontecimento são a pré-instalação de um ideal que se espera e o desacordo da experiência com esse mesmo ideal. O caminho que se faz numa situação destas é portanto a descida do ideal ao real. E o real ganha sempre. Assim, o meu ano foi positivo porque progredi no conhecimento da realidade. Mas mais importante é mesmo perceber o que depende da nossa vontade e o que, não dependendo da nossa vontade, se aceita para que no futuro a vida tenha um impacto mínimo e a nossa conquista de nós mesmos se determine num perfeito acordo entre o que há e o que se é. Diria mesmo que o meu ano foi uma posse da vida como necessidade, como uma presciência privada.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

a definição não será exaustiva, mas

o filósofo dos nossos dias é aquele que consegue atingir notoriedade suficiente para legitimar os seus estados de espírito e as efabulações sobre a sua própria vida como verdades universais, ou pelo menos como algo que a "cultura" deve ter em conta.

eu sei que existe, mas não acredito nisso.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

porque sou cartesiano




Porque acredito na substancialidade do Eu. A nossa individualidade é um núcleo a atingir através da nossa vida consciente. "Conhece-te a ti mesmo"


A natureza do Eu não é estável nem estática. Nesse reduto jaz a possibilidade de encarar a vida com um mínimo optimismo possível, porque podemos sempre surpreendermo-nos a nós próprios. Mas a tendência ideal é a de alojar o Eu o mais restritamente possível para proceder a sua actuação no mundo (isto é, accioná-lo nas nossas acções, reacções e relações)


Quando falo de "Eu" não falo de um "caroço" material algures na nossa corporeidade, nem numa alma metafísica. Falo apenas de "auto-representação".


Paradoxalmente a liberdade humana provém da perfeição desta auto-representação que é constrangimento. Porquê ? Porque num sistema sem restrição não se pode falar de liberdade. É o que diz Wittgenstein mas eu cheguei lá sozinho.

Porque adquiri um termoventilador que me permite filosofar e não morrer de frio. Sabe-se que o Renè adorava a sua lareira palacial, embora não seja reconfortante saber que a sua morte se deveu a uma constipação. Impõe-se um estudo sério sobre a relação entre fontes de calor e a valorização filosófica do "Eu".

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

porque não em inglês




This is Piazza Trinità dei Monti, accessible through the posh, tourist-crowded Piazza de Spagna and its famous stairs. If you want to avoid a massive amount of people, including armies of poseurs creating no-trespass spaces between them and the shooter, sellers of useless gadgets and fiakers, then you should arrive from Piazza Barberini, and the go up Via Sistina. Once you arrive to the end of that road, you will find yourself in front of the church Trinità dei Monti, looking down at the stairs and the crowd surrounding (probably covering) the beautiful Fontana della Barcaccia.


One of these days I found myself observing an element of this architectonic complex that establishes a beautiful harmony created by the dissimilarity of stiles present at that space, as in so many other places in Rome. The “Egyptian” obelisk that pontificates in front of the church is way less eye-catching than all the other dominant elements, but this particularity makes it both essential and foreign to the beauty of the place. It’s dissimilitude lies upon the plain geometry of its lines and of its hieroglyphic representations, while the church, the stairs and the fountain express an ideal of overwhelming, wavy and eccentric beauty. This exceptional element provides a evanescent feeling of surprise in the midst of one of the most visited places in the world. There is something very unclear and conflictual about the kind of object that the obelisk is, as opposed with the aspects of domination, expression of ideals and seeking of pure visual impact that the rest of the piazza suggests.


quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Jacques-Louis David, A morte de Marat, 1793, Musée des Beaux-Arts, Bruxelas


A reflexão estética do último século assenta em quatro direcções base: Vida, Forma, Conhecimento, Acção. Cada uma tem os seus traços distintivos e respectivas vias de transito, capazes portanto de se invadirem umas as outras e, no processo, criarem instabilidades na dimensão hospedeira.

A Estética vitalista tem na sua origem aquela representação da arte como um prolongamento dos aspectos centrais da vida: dinâmica, evolução, sensação e emoção são aspectos que a obra de arte deve enaltecer para que se estabeleça um diálogo entre o homem e a arte. Mas tendo em conta que a obra de arte serve assim um interesse humano, esta é essencialmente uma concepção utilitarista, pois a obra está ali para nos provocar um efeito que consideramos importante e exclusivo! Por isso a moderna Estética da vida se volta para a Arte em busca das grandes respostas para a nossa existência, uma vez constatada uma radical estranheza nos confrontos da instabilidade, imprevisibilidade e agressividade dos fenómenos naturais.


A palavra "Estética" provém de aisthésis, que significa "sensação", portanto algo susceptível de ser despertado pelos grandes e pequenos eventos da natureza, mas que a obra de arte consegue "reter" e, teoricamente, despertar a cada acto de contemplação. O utilitarismo (e talvez antropocentrismo) atinge níveis inauditos.

Ao transformar a obra num objecto que representa a Vida, este tipo de pensamento estético está na verdade a procurar respostas a uma questão primordial que se desdobra nas várias outras que accionam a vontade de contemplação. Ao pedir à obra de arte a apresentação do que há em mim de mais constitutivo, estamos no fundo a perguntar à arte qual é o "sentido da vida". É aqui que a arte é vista como um reduto que dá acesso à situação existencial de cada um.



segunda-feira, 24 de novembro de 2008

on Ibrahimovic



Não vislumbrando a possibilidade de definir o conceito de "Forma", o rapaz beligerante entrega-se à fruição das obras de arte. Tomando atenção a duas coisas que já sabia mas que ainda não tinha aprendido:

1) não é possível definir "arte".

2) se se quer perseguir o conceito de forma, não se pode dar demasiada atenção ao "sentimento estético" do sujeito. A forma vive por si, sem precisar de ser assimilada à vida.



subscrevo, portanto, sobremaneira.




quinta-feira, 20 de novembro de 2008

um outro apontamento





Essa coisa do "você é feliz?" é a maior treta da história das perguntas de chacha.


Felicidade é um estado mental como o estar acordado, ou como estar melancólico. Não se "é" acordado e, também, ninguém é só melancólico. Diz-se que a felicidade não existe porque ninguém tem tempo suficiente para reconhecer os momentos em que ela se dá, porque ocupa todo o "espaço" da consciência do sujeito. Só uma distanciação permite o reconhecimento da presença do momento feliz. Assim, a felicidade é sempre, radicalmente, uma coisa do nosso passado pessoal e irredutivelmente passageira, lampejante.


E é assim que deve ser, porque assim é.


Noto ultimamente que, embora não sendo fácil, me é possível auto-induzir um estado mental feliz, a partir de uma experiência: a degustação de um Kinder Delice.

receita

1-Conhece-te a ti mesmo (pode durar a vida inteira)

2-Cumpre isso que descobriste.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Rosso Fiorentino, Madonna col bambino e santi, Uffizi, Florença


Aqui está um quadro, ou melhor, uma metágora (queria escrever "metáfora" mas metágora agrada-me) da História. A nossa Senhora, os santos, os anjos, tudo com olheiras, cansados, demoníacos, anti-renascimentais. Uma prova física que cada tempo tem uma sua linha directriz (política, estética, social) não apesar dos contra-movimentos, mas por causa dessa fonte necessária de resistência.
Que seria o poder sem o contra-poder? Ou que seria de uma ideologia sem uma ironia?

domingo, 9 de novembro de 2008

Não tenho tido internet, e por isso não tenho tido a oportunidade de escrever aqui o que de qualquer forma não escreveria.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

dia das bruxas

Georges de La Tour, Madalena em Penitência, séc. XVII, Sammlung Fabius.

Pensando bem ou não nisto, a verdade é que me sinto spaesato, ou seja, alheado. Coisa boa num dia destes, com chuva nos batentes e tudo. Queria muito encontrar o tema definitivo da minha tese, mas isso não acontecerá nem quando a acabar. Organizar uma tese é muito mais difícil do que escrevê-la. Não? O que é que começa do zero? Não é a estrutura, o esqueleto, o elenco, o índice? Então não me venham com coisas pá, que se Deus tivesse criado a partir de alguma coisa não seria Deus.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Quanto é difícil escrever pouco, sem se dizerem ou banalidades disfarçadas de aforismos, ou aprovando a ideia minimal não exigindo expor as suas consequências últimas para a realidade social, a realidade da realidade, ou a realidade individual.


 

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

o escravo



"À porta estava um escravo com um aspecto de tal modo tenrinho, de poder revelar facilmente todo o caso sem suspeitar que causaria dano ao seu senhor."

Santo Agostinho, Confissões, VI, 9, 15

...quando Agostinho relata o caso da perseguição popular ao seu amigo Alípio, injustamente acusado de roubar uns artigos valiosos. A certa altura os justiceiros são advertidos por um tal arquitecto famoso que não terá sido Alípio o autor do crime. É então que todos se dirigirem a casa do ladrão, e se deparam com este escravo assim descrito.

Uma paz de alma desembarcada de África para servir um senhor de meia tigela nos feudos do Império. Há cerca de 1700 anos, e isto é-nos descrito hoje. Este moleque sem nome figura na literatura universal, e este episódio irradiou a sua luz até hoje o podermos meter no bolso e consolarmo-nos com a escrita.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

tongue


 

A "língua-mãe" faz o mesmo que uma mãe. Cria os seus filhos, dá-lhes um aceso ao mundo. É um acesso talvez parcial? Não, porque ou se tem um acesso através da linguagem, ou se é mudo, o que equivale a não ser nada. Percorrer a vida através do pensamento equivale a entrar no labirinto da linguagem. Por sua vez, sem linguagem o mundo seria um espaço vazio, uma superfície sem limite. Reconhecer-se como existência equivale a falar, e falar significa criar labirintos.


 

A minha língua-mãe traduz-se em madrelingua em italiano. Os ingleses não estão para liricismos: mother tongue espelha no entanto uma mecanicidade malvada, a determinação física de qualquer ideia metafísica, um linguarejar salivoso e lânguido.


 

Interstício significa a fissura incógnita que se esconde dentro de qualquer texto - a que Derrida chama escritura. E, mais em geral, o lugar do entre, o espaço entre a chuva. Apela porque sabemos que lá está mas não o podemos atingir. Escrever um texto, ou lê-lo, é um exercício inútil.


 

A palavra italiana frammezzo: e a palavra portuguesa entremeio: parece que mesmo encontrando o que se esconde entre as linhas não lá chegaremos. É preciso escavar ainda mais, entre o meio. Mas aí já seria um espaço dentro do meio, o que é inacessível. É a quarta dimensão do texto, a sua arrogância extremista.


 

Entremeada também é interessante.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Anos-Kubler

Nicola Poussin, Autoretrato, 1650, Louvre.

Estamos habituados a conferir ao tempo uma representação linear, supondo-o de acordo estrito com o mundo da matéria, isto é, com um princípio, meio e fim. Podemos chamar a esta concepção uma concepção empírica do tempo, porque ela decorre da observação directa da sua acção sobre os corpos. Quando os filósofos se interrogam sobre a "natureza" do tempo, eles procuram dar-lhe uma forma, tentando aprisioná-lo dentro de um conceito para que daí se retirem as conclusões respeitantes ao problema ou conjunto de problemas em causa. A "forma do tempo" é portanto uma das grandes questões da história do pensamento humano e continua a ser debatida, sem que, naturalmente, se ignorem os imensos conhecimentos científicos que entretanto ajudaram a perceber um pouco melhor esta dimensão. Kant intuiu imediatamente que o tempo (e também o espaço) tem de jogar um papel originário na formação de uma teoria do conhecimento, e dada esta imprescindibilidade, o tempo foi nomeado forma apriori da sensibilidade. Ele é, pois, uma condição necessária para que, desde logo, hajam percepções.

Na Crítica da Razão Pura, Kant descreve-nos em concreto que tipo de forma tem o tempo para ele, na Estética Transcendental primeiro, e depois na Analítica. Tanto a demonstração do tempo como condição a priori da sensibilidade como, mais tarde no seu percurso, as suas ideias teleológicas sobre a perfectibilidade dos seres racionais cobrem a hipótese de se atribuir a Kant uma concepção necessariamente linear do tempo, principalmente através da categoria da causalidade. Temos então, simultaneamente, uma representação clássica do tempo que nos é dada, e legitimamente, pela nossa imediata experiencia, e temos depois, de modo complementar com a linearidade, uma representação subjectiva de linhagem kantiana. Esta subjectividade não significa de todo uma dependencia que o tempo tenha em relação a uma acção do sujeito, até porque, como disse, o tempo é uma condição apriori. Ela é subjectiva apenas no sentido em que o sujeito epistémico só o é dentro da temporalidade.

Se atendermos a forma do tempo de impressão linear-kantiana e a transferirmos ao modo como compreendemos a temporalidade dos objectos do mundo, percebemos como e porque são os conceitos de "novo" ou de "antiguidade" que imperam na nossa avaliação da temporalidade das coisas. No entanto, esta juízo aplica-se apenas aos síngulos objectos, tomados na individualidade que os submete a lei do tempo. Esta lei determina que os objectos sejam novos, quando estes apresentam uma idade recente, situando-se ainda na proximidade temporal da sua produção, ou antigos, quando apresentam sinais de uma permanencia alargada no mundo das "coisas". É claro que o juízo de idade que se atribui a um objecto está dependente das suas específicas características: em primeiro lugar o material de que é feito, mas também o tipo de uso que dele se faz ou a existencia ou não de cuidados de manutenção.

Uma obra de grande importancia para a reavaliação contemporanea da arte e da história de arte introduz uma perspectiva muito original dentro desta indagação que procura uma forma a dar ao tempo. Uma obra intitulada, com toda a propriedade, The Shape of Time, do historiador de arte e filósofo norte-americano George Kubler (1912-1996) permite reavaliar o princípio linear-kantiano do ponto de vista da história dos objectos, e particularmente da história dos objectos artísticos. A teoria de Kubler opera uma abordagem as tres dimensões temporais de modo a fundí-las numa teoria que reavalia a posição dos objectos artísticos no interior do tempo. Não se trata de uma denúncia da inexactidão ou da falsidade da partição temporal nas suas dimensões (passado, presente e futuro). Tal como Descartes precisava que enquanto colocamos tudo em dúvida não podemos deixar de acreditar que o mundo continua a existir, também Kubler reconhece que anulando o passado tudo deixa de fazer sentido. Ele continuará a servir-nos de Norte temporal, regulando a nossa acção no interior do tempo e do nosso olhar sobre o mundo.

Aferimos o reino do passado a partir dos sinais que os objectos longínquos deixaram até ao nosso tempo. Esta captação de sinais permite reorganizar a história dos objectos artísticos ou não-artísticos: todos os artefactos humanos estão presentes no tempo de um modo não-linear, ou seja, a sua existência é medida em termos que transcendem a sua duração. Para Kubler, cada artefacto humano é, em termos simples, uma solução dada num determinado momento a uma questão de utilidade prática ou espiritual. No momento da sua criação, um carro de bois ou uma pintura a óleo promovem uma solução a uma necessidade humana. Essa necessidade pode ser bem definível, como no caso do carro de bois, ou pode ser mais vaga mas não por isso menos necessária, como no caso da pintura Alegoria da Prudência, de Tiziano. A revolução desta teoria está no modo como se considera cada objecto não algo definitivo em si mesmo, e portanto não algo que se situa no tempo em função da sua duração individual, mas como algo de ligado ao passado e ao futuro, encandeando-se a todas as obras que procederam a uma tentativa de resolução do mesmo problema, em tempos muito diferentes.

Esta nova temporalidade dos objectos tem o nome de idade sistemática. Cada objecto tem a sua própria idade sistemática, podendo ligar-se aos seus antecessores e impulsionando os seus sucessores num ritmo único. O ritmo de mudança das formas que pretendem solucionar um problema depende muito da natureza do problema, mas também das possibilidades materiais do artesão no momento em que a necessidade de criação o prende. Assim se inaugura uma nova forma de encarar os objectos e o tempo, com toda uma série de questões subordinadas. Por exemplo, existe espaço para a genialidade, uma espécie de creatio ex nihilo, neste contexto?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

já vai, já aqui apareço, ou seja: já aqui venho ao ser.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

utilidade inutil da arte

Jeff Koons, Rabbit



O conceito de utilidade aplica-se, com toda a certeza e sem qualquer espaço para dúvidas, apenas e só às realizações humanas. Esta restrição do conjunto das “coisas feitas” ao conjunto das realizações humanas serve para nos concentrarmos à superfície, na pureza e na definitude dos factos, sem embarcar nas especulações metafísicas sobre a criação divina ou o acaso absurdo. De todas as coisas jamais postas pela humanidade sobre a terra, as coisas úteis constituem todas aquelas que possuem primariamente uma função bem definida. Elas foram criadas com a intenção de responder a uma necessidade e como tal são a resposta humana a uma falta (quando uma certa classe de objectos ainda não existia, digamos por exemplo os pratos) ou a uma carência funcional dentro de uma classe específica de objectos ( a evolução das embalagens de manteiga). Da quase totalidade dos objectos saídos do labor humano que a todo o momento nos rodeiam, a quase totalidade corresponde a uma supressão de carências do foro prático.
A excepção a esta regra da utilidade está reservada àquela classe de objectos que não têm primariamente uma função prática, embora esta nunca esteja ausente: as obras de arte. Considerando exclusivamente a parte física de uma obra de arte, ela é de todo uma criação “inútil”, pois não serve para completar uma acção, estabelecendo-se resolutamente da parte da contemplação. Com a união destes dois conjuntos de objectos, os utensílios e as obras de artes, esgotam-se todas as categorias possíveis em função da utilidade. Ao mesmo tempo, esta curiosidade permite-nos ver uma obra de arte de um modo muito particular, e talvez seja mesmo um óptimo ponto de partida para começar a reflectir sobre outras características específicas da arte.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

anti anti



O mundial de futebol antiracista, no qual participei, teve lugar estes últimos dias em Casalecchio di Reno, uma localidade muito perto de Bolonha. Tudo corria muito bem tanto a nìvel organizativo como desportivo (inclusivé a minha equipa de amigos austríacos e italianos classificou-se em primeiro lugar do seu grupo com cinco vitorias em cinco partidas). Ambiente de festa, com concertos e noites longas, fossem por vontade própria ou por imposição alheia daqueles que, nao querendo dormir, também nao deixavam que os outros o fizessem.
A festa, no entanto, acabou abruptamente no sábado ao inìcio da tarde, com a chegada de notìcias relativas a abusos de indole sexual a algumas raparigas. A organização deu por encerrado o torneio e, depois de uma assembleia extraordinária, declarou as equipas exclusivamente compostas por mulheres as vencedoras do torneio…
O discurso desta assembleia fez-me pensar: o tom geral era de condenação, quase de consternaçao; e as decisoes (cancelamento do torneio, entrega do troféu às equipas femininas), todas elas no mínimo discutíveis, se enquadradas pela absoluta falta de prova, ou mesmo de indícios, de que tais abusos realmente ocorreram. Mas o que me interessa aqui é apenas a relação estabelecida, naquele momento, entre o contexto e a palavra, isto è, o nexo simbiotico entre o evento e as suas directrizes ideológicas (de facto a maioria dos participantes milita em claques de futebol organizadas e orientadas politicamente) e a denúncia de actos que comportam uma reacção imediata e exagerada dos orgãos de decisão ali instalados. O que me pareceu, sublinhando sempre que actos de violência real sao absolutamente condenáveis e graves, foi que o discurso (a denúncia) encontrou o ambiente perfeito para ser empolada, elevando o tom emocional e conduzindo a uma espiral de consequências e conclusões que ignoram regras básicas de criticismo, frieza e racionalidade.
Nao me espanta por aí além que no fim da assembleia quase me sentisse culpado de ser homem e de experimentar prazer em ver mulheres bonitas. O tom geral de condenação era tao grande que ninguém mais parecia ter em conta os aspectos basicos da “natureza” dos géneros, como se o “galar uma gaja” fosse uma deturpação horrìvel da sociedade ultra-capitalista, fascista e machista onde vivemos. Ou seja, o que faltou por ali foi o bom senso de reconhecer que existe uma atraçao inter-sexus, e isso leva inevitavelmente à tentativa de aproximaçao entre individuos machos e individuos femeas. Depois, é preciso ter consciência, especialmente da parte dos machos, que nem tudo se pode fazer, que nem tudo vale, e que quando a femea diz não de forma peremptoria normalmente isso quer dizer mesmo não.
O que faltou naquelas denúncias que foram ali expostas foi credibilidade. As senhoras declaravam-se feministas, e a possibilidade de acusar o género oposto naquele contexto era para elas mel. Nao ponho as mãos no fogo para jurar que nao terão sido verdadeiramente molestadas (de qualquer forma nao houve, por exemplo, relações sexuais nao consentidas, nao houve polícia envolvida, nao houve nada disso) mas penso que este nexo palavra-ambiente pode muito bem explicar a descriminação positiva que ali teve lugar, com consequências não verdadeiramente sérias ou graves, mas proporcionais ao alcance daquela manifestaçao (a taça foi para as senhoras, como jà disse). Ē claro, este acontecimento enquadrado naquele micro-ambiente torna mais acessivel e fácil de interpretar o que se passa na sociedade inteira, quando se ampliam o eixo discurso-contexto e as suas consequências. O feminismo, o antiracismo, e em geral os movimentos de antidescriminaçao jogam o seu papel numa dialética necessária que estabelece a própria legitimidade do poder que de facto descrimina. Para haver uma acção legitimada e inscrita deve de haver uma reacção contrária que acentue e traga à luz o que há dentro do poder para ser “combatido”.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Limite, alcance, invaso

A Filosofia é feita pelos homens, que constrangidos por uma natureza limitada, antes de mais ratificada pela limitaçao que o corpo impoe à Vontade, impoe por sua vez à Filosofia um limite que esta tenta sempre utrapassar. A Filosofia, em contraste com o corpo humano, é ilimitada, justamente porque procura sempre transgredir um limite que lhe é imposto pela circunstancia de ser exercer num ser condicionado. O excesso proprio da Filosofia é talvez a sua melhor definiçao, que no entanto devemos entender como algo de substancialmente indefinìvel.

Muitas vezes junto à palavra limite encontramos a palavra "alcance". Importa todavia acentuar o caràcter històrico e social das tentativas de dizer até onde a Filosofia pode chegar. E sabido que para os primeiros gregos a operarem o famoso "milagre da filosofia", o "alcance" seria a descoberta do princìpio geral que anima o mundo, ideia que atravessou todas as epoca pelo menos até Hegel, mas cujo conteùdo conceptual foi estremamente diversificado, se atendermos aos percursos especulativos que formam conceitos como arché, Uno, Deus ou Espìrito Absoluto. O caràcter circunstancial e diferenciado com que os filosofo revestiram o "alcance" da Filosofia determina o conteùdo de todos os diversos percursos filosòficos, ou, và là que eu deixo, dos sistemas. A ideia de limite encara de frente aquilo que especifica e universalmente se pode descobrir na interacçao entre um ser humano e um indagar, misto de criticismo e maravilha, que nele se instala. Essa é algo de semelhante a uma doença progressiva, porque tem o caràcter de uma invasao, de algo que conseguiu forçar as barreiras-limites do corpo e nele se conseguiu instalar. Corpo estranho de que o hospedeiro nao tem nem pode ter total conhecimento, começa lentamente a girar os lemes do pensamento, do olhar, do falar e finalmente do agir até exercer uma influencia insidiosa, cavalgante, em direcçao a um abismo real ou simbòlico. Ao penetrar as barreira do corpo, a Filosofia ganha vida, ganha uma veste que a pode manifestar como que o corpo e o seu agir fossem separados e unidos a despeito da vontade do "sujeito" (ainda existe, a este ponto?) que os encarna.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

a vida das formas


Delacroix, A morte de Sardanapal


Tudo é forma, e a própria vida é uma forma. Esta sentença de Balzac entroniza a dimensão da forma como originária em relação a todos os fenómenos. Reduzindo um pouco o âmbito universal da frase balzaquiana, a forma pode definir-se como o que dimensões diferentes como a matéria, o espaço e o tempo mostram aquilo que a estas não é redutível mas que nestas permanece como carácter. É a abordagem àquilo que depende do que está num objecto como suas características primárias e físicas (tempo, espaço, matéria) e que, simultaneamente, não é por si só nenhuma destas particularidades concretas, que motiva uma boa parte dos estudos sobre a Arte que mais têm marcado a Estética do séc. XX.

Wilhelm Worringer e Henri Focillon são os pais da Estética da Forma. Eles destacam-se porque foram os primeiros que forçaram a Estética, ou mais rigorosamente a Filosofia da Arte, a empreender um caminho que se traçasse principalmente sobre a urgência de retirar à experiência estética de um objecto artístico o seu carácter subjectivo. Para não recair numa subjectividade que reduz a Arte a uma questão de mera “apreciação” de um objecto, a Estética da Forma foi, aos poucos, delineando o acesso a uma experiência não subjectiva da Arte, através de um movimento pela qual o objecto toma posse das características que até aí estavam inapelavelmente ligadas ao espectador da obra de arte. O que estes autores completam é uma genealogia das formas, mostrando como a sua transformação se baseia num conjunto de mutações não imputáveis à vontade dos artistas, mas sim a uma capacidade evolutiva que as próprias formas possuem. Um arabesco ornamental pintado num quadro do Renascimento não “está” no espaço no sentido em que nele foi colocado, mas forma o espaço. Ao longo do tempo, as formas que presidem aos estilos artísticos avançam e recuam, contradizem-se na mesma época, algumas são dominantes e outras são subtis. E no espírito humano essas são capazes de se auto-originarem, mantendo sempre uma certa independência em relação à biografia do artista, e forçando sempre a mão a dar-lhes uma existência na matéria.

terça-feira, 29 de abril de 2008

que o mundo nos surpreenda




As relações contemporâneas entre a arte e a filosofia têm sofrido revoluções sucessivas que destacaram ainda mais as ambivalências e as contradições que, desde sempre, ocuparam um lugar importante em todas as disciplinas e em todos os modos de produção destes dois mundos. A arte dos nossos dias demonstra ser uma profunda devedora da influência algo desconcertante da filosofia pós-moderna, que se entreteu a anular qualquer valor intrínseco que a obra de arte pudesse demonstrar. Desta forma, aquilo que desde sempre tinha instituído a obra de arte como tal, que tinha colocado uma obra dentro da categoria da “arte”, e que Benjamin designou como “aura”, deixou de cumprir essa função “agenciadora” e colocou a obra de arte à mercê de critérios exteriores que, por mais rigorosos e válidos, nunca poderiam submeter-se à realidade da própria obra, isto é, nem à sua forma nem ao seu conteúdo.


Esta destituição do valor artístico da obra anda de mão dada com a emergência da arte entendida essencialmente como produto, como mercadoria exposta às leis do mercado, da compra e da venda, da promoção e da comunicação. É o mesmo Benjamin quem contrapõe à obra dotada de “aura” a obra infinitamente reproduzível, no famoso ensaio A obra de arte à época da sua reprodutibilidade técnica. Segundo o filósofo alemão, é precisamente a possibilidade de reprodução infinita que sujeita a arte à perda daquela aura que lhe dava a singularidade, que a tornava produto de uma irrepetibilidade, um momento de inspiração e de virtuosismo artístico. A partir do momento em que a obra fica submetida à tecnologia da repetição esta perde irreversivelmente a essência do que a sustinha como objecto único, passando para o lado da mercadoria entrada no ciclo perpétuo e viciado do mercado da arte.


A encruzilhada em que hoje se encontra a arte, mas também, por arrasto, a teoria da arte e a sociologia da arte entende-se na medida em que se começa só agora a procurar um “terceiro regime da arte” que se proporá como uma “superação”, no sentido em que também o pós-modernismo se propôs como uma superação do modernismo, mas neste caso devemos considerar-nos avisados, de antemão, que uma verdadeira superação só se dá não no esquecimento, não na manipulação ou no escamoteamento, mas na integração consciente dos momentos que constituem a oposição e que criaram a encruzilhada. Para já, a arte pós-humana, a arte abjecta de Damien Hirst e o seu séquito, parece não ser mais do que esta contradição reinante levada ao extremo, e aproveitando-se da ausência de “teoria da arte” num mundo onde a arte não tem valor reconhecível, e que como tal não permite teoria. O terceiro regime da arte terá de saber conservar o valor do objecto em si sem o excluir à voragem mediática, comunicativa e publicitária do mundo à sua volta.




terça-feira, 4 de março de 2008

palavras

Sprofondare

nel caos
nel mare
nell´oggetto
nel mondo

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Andy Warhol, Brillo Box



A Arte não pertence, no sentido mais forte da palavra, a uma nação. Mas fazendo uso da sua autonomia, que lhe advém historicamente de uma verdadeira autodeterminação, pode, se assim o entender, exprimir as particularidades da cultura de um país. E no caso da Pop Art esta ideia aplica-se de uma forma muito relevante. Ao entrar em contacto com figuras icónicas repetidas, em cores garridas e que apelam ao distanciamento da realidade sensível com a consequente des-realização de personagens (Marylin, JFK, Muhammad Ali) inserindo-as no domínio do mediático, do artificial e do incontactável, a Pop Art exibe magistralmente a revolução mediática e massiva que invadiu os Estados Unidos nos anos 60, e a partir daí o mundo. Recorrendo de forma muito hábil a uma subtil ironia (qualquer distanciamento em relação ao que se pretende exprimir implica uma dose de ironia, e só se pode exprimir o que quer que seja distanciando-se dessa coisa), esta “arte popular” institui-se ela própria como um “meio” artístico, um media. Com esta desrealiazação, este distanciamento, a Pop Art é uma forma mediática no interior do próprio universo da Arte em geral. Ela é a mediatização do sensacionalismo, no duplo sentido em que se coloca entre o espectador e o mundo sensível, operando voluntariamente uma distanciação ainda maior, e ainda na forma como aceita entrar no jogo da superabundância de informação, da iconização, do ultra-expressionismo de uma época e de um país.

Mas pode a arte pertencer num sentido mais fraco e minúsculo a uma nação? Confesso que fiquei satisfeito por saber que a famosa instalação de Warhol, Brillo Box, “pertence” agora à colecção Berardo. A partir do contacto com esta obra Arthur Danto iniciou um percurso filosófico muito importante para a filosofia da arte contemporânea. Esta entrevista constitui uma óptima introdução aos tópicos por ele abordados.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

benedito bento

Romano Prodi (fonte)




A Itália está novamente em convulsão. É muito difícil para um estrangeiro compreender plenamente o que se passa na política italiana, mas tudo aquilo que vem à tona tem o mesmo aspecto de Nápoles por estes dias, ou seja, está tudo carregado de lixo.

A face pragmática da política atinge aqui uma transparência total. Porque já não há representação de ideologias, mas tudo se submete à lógica da representação parlamentar, formando-se coligações absurdas que juntam partidos pró-comunistas com partidos de índole reaccionária. Depois, tudo parece minado pela base, com a impossibilidade crónica de se fazerem reformas profundas (onde mais é que isto se passa?...humm)


Enfim, a sombra de Berlusconi parece pairar por cima disto tudo, esperando apenas o momento certo para se reapoderar de todos os centros de poder de um país: política, futebol, meios de comunicação...



Entretanto, mais uma "gaffe social", que não é mais do que outro sintoma de outras doenças enraizadas numa sociedade. O Papa foi vetado na Universidade "La Sapienza". Creio que poucos se deram ao trabalho de ler a lição que Bento XVI propôs. Aqui fica, para quem a conseguir ler. link